Globalização.r

O fenómeno da globalização resulta em termos simples, da abertura das linhas comerciais, estabelecendo a livre circulação de bens e serviços entre todo o Mundo. Como em todos estes processos, alguns países resistirão, integrando-se - porque será impossível não o fazer - mais tarde.

É um fenómeno incontornável e a discussão sobre uns serem a favor e outros contra é totalmente inútil. Tal como não vale a pena discutir sobre o nascimento do Sol. Acontece sempre, todos os dias, mesmo que uns possam ser contra o seu aparecimento e outros a favor. A globalização é, simplesmente, uma realidade na qual teremos que (sobre) viver.

A concorrência - a todos os níveis - resultante da globalização é uma realidade, mas, apenas acontece até se determinar quem é o participante melhor e mais apto. Aí, nesse ponto, a procura, o mercado e o poder concentram-se nas (muito) poucas empresas, que ao ganhar dimensão e implantação global, sobem à nuvem onde se passam a "localizar". Empresas que, mais do que multinacionais, são empresas sem nação. Que funcionam cada vez mais desligadas e menos dependentes de qualquer localização física.

Este processo é conduzido e sustentado por capitais e (por outras) empresas que se interligam das mais variadas formas. Partilham os capitais, os administradores, os gestores, a produção (componentes) e o know-how.

A globalização tem precedentes históricos. Os Impérios apareceram e desapareceram ao fim de algumas centenas de anos. No passado, a junção de grandes áreas geográficas sob uma mesma gestão, era usualmente conquistada à força de armas. O progresso advinha, não só para a nação dominadora (que ganhava recursos e mercado) mas, também, muitas vezes, para as nações dominadas, através do contacto com novos conhecimentos, tecnologias e culturas mais avançadas. Os Impérios caíram sempre pois, mesmo com ganhos evidentes na sua qualidade de vida, os povos subjugados mantém a sua consciência de dominados, o que sempre desagradou a quem fica numa situação dessas. Ao fim de algum tempo, depois de terminado o processo expansionista (e por razões evidentes os impérios não se sustentam em paz) começam a aparecer as contestações e a vontade de independência dos povos acabam por levar sempre à desegregação.

Os EUA e a URSS são (foram) os últimos grandes impérios.

A URSS desagregou-se (restando a Rússia) no final do século XX e os EUA mantêm a sua posição, provavelmente à custa da sua juventude (apenas 250 anos), da sua liderança mundial que garante qualidade de vida através da criação de acessos aos recursos que necessita.

Como veremos, até os EUA já não tem a seu futuro garantido pois, os seus deficits orçamentais e comerciais constantes e a dependência no consumo de bens fabricados no exterior colocam-nos, cada vez mais, nas mãos dos credores, estejam lá onde eles estiveram - cada vez mais, na… nuvem.

A situação actual diferencia-se da dos antigos impérios pelo facto de já não haver uma nação (geograficamente falando) dominadora. O poder integrador é o capital e este já perdeu, em grande parte, qualquer ligação às nações. E isto faz toda a diferença: não só não há uma nação a “sugar” as restantes (os capitais ganhadores vão para a nuvem e daí voltam ao sistema) como as nações e zonas geográficas hipoteticamente subjugadas acabam por ser as mais favorecidas no processo global.

Numa primeira fase, a globalização começou por ser contestada pelas forças da esquerda clássica. Com base na contestação da “exploração” que os países desenvolvidos impunham aos restantes, ao usufruir de bens e serviços, importados, a baixos custos, beneficiando de trabalho em infra-condições sociais.

A verdade é que, nesse processo, a verdadeira riqueza estava já em transferência. E na direcção do mais desenvolvido > para o menos desenvolvido. Do mundo desenvolvido para as outras nações. As fábricas que passaram a ter uma localização volátil (em função das condições oferecidas) e o trabalho acompanhou-as. Encerravam ali, apareciam aqui, desapareciam aqui, abriam acolá. Entretanto, o capital subiu à nuvem.

A “exploração” denunciada pela esquerda até poderá ser uma realidade para o ponto de vista ocidental. Mas não será no ponto de vista dessas sociedades. E é, apenas, a fase inicial do processo. Logo, logo, conquistado o bem fundamental (ou seja, o trabalho) as forças (da economia e finanças globais) ficam alteradas e o crescimento - e o desenvolvimento - deslocaliza-se.

Numa segunda fase, os países desenvolvidos ainda julgam manter as rédeas do processo. Usufruem dos bens e serviços a custos ínfimos (a que nunca poderiam usufruir se os tivessem de produzir localmente) e sentem-se seguros pois mantêm a tecnologia nas mãos das suas empresas. Aquela que cria os bens e a que permite montar as fábricas que os produzem.

Infelizmente, esta é, também uma fase transitória. 

Na terceira fase, o know-how também se vai. Não para os países-fábrica (produtores) mas para a … nuvem.

Antes, quem se dignava a trabalhar por menos, emigrava para os Países onde estavam as fábricas. E onde a população, mais rica, se recusava a ocupar esses postos de trabalho, mal remunerados. Agora, na sociedade globalizada, o processo inverteu-se: são as fábricas que se deslocalizam. E com elas, a produção, o trabalho e a riqueza. E isto faz toda a diferença. Na sustentabilidade dos Países desenvolvidos e nos seus (os actuais) sistemas fiscais e retributivos que se passam a revelar completamente ultrapassados e inadaptados às novas realidades.

Neste ponto, para os paises desenvolvidos, chega-se à encruzilhada. Passaram de criadores-produtores-consumidores para criadores-consumidores e finalmente, serão só consumidores. E, nenhum país poderá subsistir dessa forma. Ou seja, apenas o será enquanto quem tem o dinheiro entenda que isso lhe interessa. Sejam os investidores, sejam os produtores (que gradualmente, passarão a ser os mesmos, deslocalizados).

A globalização é um processo que poderá ser exemplificado a partir de um conjunto de recipientes cheios com água. Antes isolados, uns muito quentes (menos e mais pequenos), outros frios ou mornos (mais e maiores). Agora, todas essas unidades estão ligadas através de vasos comunicantes. Que são cada vez mais e mais eficazes na troca de energia. Como a energia total desses recipientes não pode crescer indefinidamente (o sistema no seu todo é finito), haverá um momento em que o aquecimento de uns faz-se-há, inevitavelmente, apenas à custa do arrefecimento de outros.

Passando à economia, o “aquecimento” de sociedades como a China, a Índia e o Brasil acontecerá à custa do “arrefecimento” das sociedades mais desenvolvidas. Resta saber a que ritmo e com que consequências, para estes últimos.

A globalização vive destes fluxos e destas desigualdades e desequilíbrios. E, curiosamente, leva-nos ao mesmo objectivo que a sociedade comunista se proponha chegar: a igualdade.  Mas, exactamente pelo caminho inverso, colocando de lado os egoísmos locais e apontando para os equilíbrios globais.

O que nos leva a uma conclusão final:

Os países (hoje) desenvolvidos viverão numa Nova Sociedade que será mais simples e frugal do que a actual. O crescimento contínuo terminará (e com esse fim, toda a actual teoria económica baseada num esquema de Ponzi - no crescimento populacional, na energia barata e disponível) e o estado de recessão e retracção económica passará a ser normal, a gerir, a caminho de um ponto de equilíbrio (global) que será, necessariamente para os países (hoje) desenvolvidos, algo abaixo dos níveis que usufruem actualmente.

Com que consequências? Com que velocidade e gradualismo ocorrerá a mudança? A isso responderá cada país, da sua forma. A partir dos seus trunfos, que serão diferentes em cada caso.

Como poderá ser gerida a mudança nestes países?
Uma mudança em descendo, na procura de uma aterragem suave?
Em primeiro lugar, acabando com os "ismos" ideológicos. Socialismos, comunismos e sociais democracias. Eram ideias válidas localmente, em termos geográficos e temporais. Desajustadas do novo enquadramento global. Onde cabe o pragmatismo. E a boa gestão pública e não só.
Já não sobreviverão os países (desenvolvidos) com equilíbrios sociais baseados na ideia de uma distribuição de riqueza, a níveis definidos localmente e isolada dos fluxos e novos equilíbrios impostos pela globalização. 
Os níveis de riqueza médios futuros tenderão a se equilibrar no futuro a nível global. Uma situação que aponta para um período de crescimento em alguns países; e, para outros, uma forçosa descida de expectativas e de nível de vida a que se habituaram.

Pragmatismo não é liberalismo e globalização desenfreada.
É definir uma linha que separa o que é global do que é local.

Pragmatismo inclui estabilidade social. Daí, uma parte da riqueza produzida, de direito, a todos. Mas também uma diferenciação - mesmo que limitada - necessária garantindo que quem mais produz possa guardar o seu prémio. Incentivando quem mais e melhor pode produzir.

Pragmatismo é retirar os entraves ideológicos (na maioria dos casos ligados a um passado que não voltará, num Mundo sem globalização) e abrir mentes a novos caminhos.

Pragmatismo é procurar soluções de estabilidade social a partir dos recursos disponíveis que se libertam da economia real. Sem ultrapassar os limites da respectiva sustentabilidade. Evitando processos que levam à morte da galinha (economia) dos ovos de ouro (recursos libertos).

Pragmatismo é uma maior abertura a novas iniciativas comunitárias, que se juntam ao Estado que actua como garante, mas se limita a si próprio como prestador (de serviços) onde a sociedade civil não for capaz de o fazer. É, no fim do processo, a introdução de mais liberdade. Mais concorrência. Mantendo o Estado, mas acrescentando mais opções. Pois a liberdade é mesmo isso: opções e escolhas. Quem terá medo de mais liberdade?

E quando aquele o (ponto de) equilíbrio mundial for atingido? Quando o Império Global perder os fluxos que o sustentam e o mantém? Terá o mesmo fim dos antigos impérios? O que virá depois?

As ambições de nível de vida (média) da população chinesa atingirão os do actual mundo desenvolvido? Mesmo que isso seja incomportável para o Planeta (ao nível ambiental) e se faça à custa da "morte" do resto da população Mundial? Ou haverá uma consciência (global) para marcar e cumprir com limites?

Será que já passamos os prazos para que isso possa ser concretizado?

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