Crise.r

Em 2008 rebentou uma crise financeira nos EUA que, rapidamente, se repercutiu para uma grande parte do Mundo desenvolvido.

O que se passou?

Nessa altura, um grupo de financeiros, antecipando o início do fim das suas actividades, tal como até ali se processavam, com grandes lucros, resolveram dar um “golpe final”. Tipo "rapar a panela" do que pudesse restar. As suas funções, à altura, passavam por conceder empréstimos e vender os contratos resultantes a investidores.

Nos EUA, o endividamento estava no limite. Todos os créditos (e mais alguns) estavam atribuídos. Esse negócio estava esgotado e próximo do fim. Estava? Não.

Ainda restava uma determinada fatia da população por explorar. Trataram, então, de alargar o universo usual de consumidores, emprestando a “torto e a direito” a famílias que, sabiam-no bem, pagariam pouco mais do que meia dúzia das prestações contratadas. Por pouco, nesse grupo, não incluíram os “homeless”.

Feito o “serviço”, pegaram naqueles contratos, juntaram-nos com outros, um pouco melhores e fizeram pacotes que foram alindados com “ratings” (avaliações) positivas por parte de empresas especializadas. Juntaram-lhes, como garantias, as hipotecas desses bens, na sua maioria, habitações super-valorizadas, num mercado em alta, face à procura gerada por todos estes “novos” clientes e interessados.

E venderam esses pacotes a quem tinha dinheiro para investir…
Com essa venda, receberam chorudas e multimilionárias comissões. Fizeram o seu trabalho e reformaram-se ricos.

O que correu mal?

Passados os tais seis meses, as famílias que contrataram os créditos começaram a falhar os seus compromissos. E, em consequência, a resolver as hipotecas e a entregar os bens adquiridos daquela forma.

As empresas que geriam as hipotecas viram-se, subitamente, com milhares de devoluções de bens que, entretanto passaram a valer metade. Porque já eram usados, porque passaram a estar subvalorizados devido a constituírem e criarem, elas próprias, enormes disponibilidades e excedentes no mercado.

Criou-se um buraco financeiro de enormes consequências. Que rebentou nas mãos dos detentores dos referidos contratos (“junk bonds”). Quem tinha comprado um milhão de créditos tinha agora, em mãos, bens devolvidos que valiam apenas meio milhão… E sem qualquer capacidade de os transformar em liquidez.

Entretanto, os financeiros que criaram os pacotes e as empresas que os avaliaram positivamente já dali tinham “lavado as mãos” depois de recebidas as comissões...

Quem ganhou?

1)A economia americana que usufruiu de todo esse dinheiro, que era real e foi aplicado. Construção e imobiliários.
2)Os comissionistas burlões e as empresas de “rating” que “montaram” os pacotes de créditos. Todos esses tiraram mais-valias chorudas do processo.

Quem perdeu?

Quem comprou os pacotes. Mas não só.

Que consequências?

1)Os investidores muito ricos que tinham parte dos seus investimentos aplicados nestes pacotes passaram a ser menos ricos.
2)Outros investidores institucionais, bancos, empresas hipotecárias e não só (incluindo países) provocaram, em escala, outros problemas.

Que problemas?

Alguns bancos investiram o que tinham e o que não tinham naqueles pacotes. Com a sua desvalorização, passaram a apresentar buracos financeiros que tiveram de ser cobertos, em acção de emergência, pelos governos. Havia um risco demasiado grande, sistémico, em deixar cair muitas dessas instituições.

Os governos então, de forma concertada, intervieram injectando fundos públicos. Criaram deficits orçamentais e acumularam-nos na sua dívida pública soberana. Logo depois, tiveram que transferir esses problemas para os contribuintes.

Os buracos criados nas instituições "salvas", ao serem “cobertos” desta forma, através dos orçamentos públicos, criaram uma (nova) enorme necessidade de financiamento aos governos. O que causou uma falta de liquidez nos mercados onde todos se vão financiar. O que fez subir os custos dos empréstimos. Nada de estranho: se muitos queriam o que poucos tinham, estes últimos fizeram-se pagar. Passaram a emprestar a taxas mais elevadas a quem não precisava, normalmente, de financiamento (Alemanha, Inglaterra) e a taxas muito mais elevadas a outros países estruturalmente menos preparados.

Resumo

Uns espertalhões da alta finança americana garantiram um financiamento significativo para a economia do seu país e encheram os seus bolsos com chorudas comissões. Os incumbentes a quem emprestaram dinheiro tiveram momentaneamente um vislumbre de vida que nunca poderiam vir a ter. Começou e acabou. Passou…

Como o dinheiro não estica nem se multiplica, o processo saiu caro a muitos. Se uns ricos ficaram menos ricos (um dos problemas de quem tem muito é, actualmente, decidir bem onde investir) a verdade é que muitos milhões de contribuintes de muitos países desenvolvidos estão a sofrer, em 2010 e anos vindouros, um difícil “downgrade” na sua qualidade de vida, para pagar aquela despesa.

O orçamento público americano também foi afectado. Pois. Mas esse dinheiro ficou por lá, na sua economia. Junto com muito outro dinheiro, oriundo dos investidores exteriores.

Umas borboletas bateram asas em Nova Iorque e milhões de contribuintes em muitos países desenvolvidos apanharam com uma chuva torrencial.

Factos

Os impactos deste processo nas economias europeias têm várias origens e serão variados:

Como foi referido, alguns países ricos passam a ser menos ricos, mas o que pouparam antes e o que produzem normalmente será o suficiente para ultrapassar e gerir a situação tratando-a como um mero resfriado pontual. São os países formiga.

Outros países, menos ricos ou recém-ricos, que viviam em grande crescimento, estavam mesmo, muito expostos aos “junk bonds”. Tinham ali metido tudo o que tinham e, nalguns casos, o que pediram emprestado. A Islândia e a Irlanda atingiram (de forma diferente) este estádio. Serão países formiga, mas, por possuírem ou terem acesso a muita liquidez naquele momento, acabaram como as maiores vítimas da burla montada nos EUA.

Finalmente, os países cigarra. Que viviam acima das suas possibilidades (em deficit) e se financiavam (através de criação de mais dívida) no mercado, a taxas baixas. Quando acabou a liquidez devido a estas novas necessidades de financiamento que adviram da crise, as taxas dispararam e a sua situação (de cigarra, com níveis de vida acima das suas possibilidades) veio ao de cima, avizinhando-se o seu incumprimento de compromissos.

O certo é que estes países cigarra pagarão com muitos anos de vacas (muito) magras, os poucos anos de vacas (algo) gordas em que viveram.

Haverá outros países que viverão num meio-termo.

Mas, esta crise será apenas um acidente de percurso, na irremediável caminhada para a Nova Sociedade. Um percurso que será feito de procura de equilíbrios (comerciais, produtivos, orçamentais). Mas esses pontos finais se situarão, sem remissão, sempre abaixo dos pontos médios actuais. Porque o planeta onde vivemos não estica, porque haverá um crescimento da população, porque muitos chineses e indianos verão chegada a sua hora de viverem - um pouco - melhor, porque há um grupo que vive e gasta muitíssimo mais do que os restantes, e ainda por muitas outras razões.

O ponto de equilíbrio da Nova Sociedade, nos países desenvolvidos situa-se (bem) abaixo do ponto actual onde se encontram. Até lá, a preocupação é encontrar um percurso que seja o menos íngreme possível, evitando roturas e quedas bruscas, muito mais gravosas do ponto de vista social.

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